Ana Beatriz Almeida, Tchidohun #2, 2018. Registro fotográfico de Catarine Brum. 
2021.    Ana Beatriz Almeida
Exposição “Novas Representações”

Texto crítico para a exposição de novos artistas representados da VERVE, em São Paulo

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Em seu trabalho indissociável de performance e pesquisa, Ana Beatriz Almeida (1987, Niterói - RJ) retoma caminhos que foram planejadamente aniquilados pelas dinâmicas da colonização ocidental. Nos últimos anos, a artista se dedica à investigação e à prática de ritos e danças de origem africana que propõem diálogos sobre a divinização e o corpo, a cura e a morte, o sacrifício e a passagem, a força vital e o feminino, a natureza e a escravidão negra no Brasil. Nesse amplo campo que se encontra entre os polos e as limitações epistemológicas causadas pela estrutura do pensamento eurocêntrico, Almeida propõe pontes de continuidade a partir do resgate e da permanência das narrativas africanas em terras brasileiras. Essas pontes – afetivas e ancestrais –, traçadas continuamente em uma série de performances da artista ao longo de uma década, conduziram-na ao encontro de sua família no Benin.
    A artista apresenta um vínculo intrínseco entre os planos materiais e espirituais nas estruturas de pensamento de diversas culturas de origem africana. Essa ligação, inclusive, atesta o cisalhamento imposto pelas dinâmicas políticas embranquecedoras que separaram até o que era impensável de ser dissociado: o corpo e o espírito. Em processos em que o corpo e os nomes estão juntos, Almeida reafirma que estes corpos, historicamente subjugados, portam nomes régios, divinos.
    Nos seus rituais de entrega, navegam pela natureza através de fluxos naturais e sobrenaturais, num movimento de ida que, simultaneamente, é de regresso. Volta, então, o corpo dignificado, ritualizado e ornamentado, restituindo-lhe tudo que lhe foi violentamente tirado nas dinâmicas de opressão às sociedades africanas nos embates coloniais, que se perpetuam estruturalmente na contemporaneidade.
    Com um trabalho pungente por sua precisão, Almeida opera neste ponto de solda entre a antropologia, a etnologia e a performance, resgatando narrativas e imagens interditas na usual forma de contar
a história de formação do Brasil, com enfoque no recôncavo baiano. Desterritorializa e descoloniza forças brasileiras em que o espiritual e o material são um só. Chama seus ancestrais pelo nome, escrevendo em seu corpo uma história extremamente densa e complexa, consolidada por milênios. Reitera um reinado existente, como se limpasse o solo sobre as raízes milenares de uma árvore há muito tempo cortada, que novamente floresce.

Texto originalmente publicado na exposição “Novas Representações” da VERVE, de 2 de novembro de 2021 a 19 de fevereiro de 2022

Ana Beatriz Almeida, Tchidohun #1, 2018. Registro fotográfico de Catarine Brum.