Fefa Lins, Strapless dildo, 2021. 
2021.    Fefa Lins
Exposição “Novas Representações”

Texto crítico para a exposição de novos artistas representados da VERVE, em São Paulo

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Fefa Lins (1990, Recife - PE) propõe novas formas de lidar com complexidades contemporâneas, questionando e operando classificações estigmatizadas sobre história da pintura, discussões de gênero e sexualidade e impactos da tecnologia nos dias atuais. A individualidade do pintor é reiterada ao nos apresentar formas múltiplas e híbridas de observarmos os fenômenos das imagens atuais através de uma plataforma canônica: a pintura a óleo sobre tela. A escolha dessa plataforma pode ser lida como uma crítica às limitações que certas ferramentas artísticas se restringem por amarras históricas e sociais.
    As discussões tecnológicas engendradas por Lins ultrapassam as discussões sobre o corpo e ampliam-se também ao âmbito da comunicação digital e das redes sociais. Uma das mais inteligentes estratégias de contestação ideológica é aprimorar a tecnologia imposta pelo opressor revertê-la, à contragosto, à sua origem. A metarrevisão de tecnologias humanas como a psicanálise, os sistemas simbólicos cisgêneros e as estruturas sociais patriarcais criticam, assertivamente, pontos nevrálgicos dessas construções.   No trabalho de Lins, repensar a sociedade sempre cambiante é representar, também, a si mesmo em plena transição. Como um espelho, Lins não somente expressa uma imagem refletida da presente estrutura social, fazendo-a examinar suas próprias dinâmicas de vigilância e violência, mas também aciona seu corpo como imagem política, ao confrontar transições e fluxos reducionistas e proibitivos.
    Nas obras do pintor, o frescor e a vivacidade das cores trazem uma intensidade acentuada para cenas e corpos negligenciados pela história. A força e a importância dos eventos individuais, tidos como corriqueiros ou banais, são acentuadas pelo intenso cromatismo de suas pinturas, com atmosferas oníricas que transitam entre nuvens de algodão-doce e ardentes paisagens dantescas. As cenas, usualmente particulares, em lugares íntimos como o quarto, o banheiro ou a cama, são escancaradas e compartilhadas com todos.
    Com um pleno domínio técnico da pintura, da relação íntima da luz
com os corpos e do uso de dispositivos atuais – como a fotografia digital – na composição de suas obras, o pintor reafirma a obsolescência de tecnologias que ainda tentam perpetuar classificações ultrapassadas, como a binariedade de gênero. As tecnologias de gênero e de sexualidade são sempre tecnologias vigilantes, acentuadas pela hiper-conexão das informações na dadosfera. O trabalho de Lins estimula a centralidade do corpo periférico: não como alvo de patrulhamento, mas como protagonistas de narrativas até então veladas. Em um mundo quântico, o trabalho de Lins nos apresenta um horizonte plural, esperançoso e combatente que acolhe a multiplicidade do eu, tanto no corpo quanto no tempo.

Texto originalmente publicado na exposição “Novas Representações” da VERVE, de 2 de novembro de 2021 a 19 de fevereiro de 2022

Fefa Lins, Quando o tesão passa, 2019.


Fefa Lins, Preparar o terreno, 2021.