Anna Bella Geiger, E as vísceras mergulham num profundo mar azul, 1968. 
2021.    Anna Bella Geiger +
               Adriana Varejão
novas leituras MASP: Anna Bella Geiger

Texto crítico publicado no Instagram do MASP (Museu de Arte de São Paulo), na sessão novas leituras

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Em E as vísceras mergulham num profundo mar azul, pintura do acervo do MASP, Anna Bella Geiger nos relembra de que somos híbridos. A obra, embora nos permita sonhar em um profundo mar azul—que, pela técnica da gravura, também nos proporciona observar seu reflexo, um céu estrelado—, nos lembra de que o sonho é visceral, matéria intrincada das entranhas humanas. De maneira híbrida e espelhada, as vísceras são primitivas mas humanas; e o mar, embora translúcido, é obscuro e poderoso em suas profundezas.
    Geiger a produziu num contexto efervescente da política brasileira, que, juntamente com um grupo de artistas do Rio de Janeiro, buscava alternativas eloquentes, por vezes formais, à repressão da Ditadura Militar no Brasil. Conectando-se com suas reflexões sobre um decolonialismo e as dinâmicas entre as artes local e global que se perpetuam em toda sua trajetória, Geiger nos apresenta um Atlântico que nos une e nos afasta, além das duras e viscerais trocas que aconteceram na formação da sociedade brasileira.
    O azul transatlântico e a carne viva, assim como utilizado retoricamente por Adriana Varejão, nos questionam sobre a dualidade das coisas—o preto e o branco, o bem e o mal, o ‘nativo’ e o ‘alienígena’, o indivíduo e o todo—e nos apresenta a complexidade, ora desconcertante, ora acolhedora. Além da imagem gravada, seu título ainda é um poema: a palavra é indissociável da obra da artista. Somos banhados pelo mesmo mar. Temos as mesmas entranhas. Podemos sonhar com a liberdade e o infinito em meio ao caos visceral.

Texto originalmente publicado no Instagram do MASP (@masp) em 16 de junho de 2021

Adriana Varejão, Língua com padrão sinuoso, 1998.